Em setembro de 1984, a irmã de Clara Nunes, Maria, foi atrás do médium Chico Xavier para receber uma carta sua, que tem até veracidade e emociona qualquer um. Ela conta em um trecho da carta que foi recebida pelos seus pais, Manoel, e Amélia, e os três abraçaram-se com muita alegria.
Querida Maria. Eu pressentia que o encontro através das notícias seria primeiramente com você. Somente você teria disposição de viajar de Caetanópolis até aqui, no objetivo de atingir o nosso intercâmbio. Descrever-lhe o que se passou comigo é impossível agora. Aquela anestesia suave que me fazia sorrir se transformou numa outra espécie de repouso que me fazia dormir. Sonhava com vocês todos e me via de regresso à infância. Era uma alegria que me situava num mundo fantástico. Melodias e cores, lembranças e vozes se mesclavam e eu me perdia naquele estado desconhecido. Não cuidava de mim. Lembrava-me dos que ficavam, mas ainda não sabia se a mudança seria definitiva. Acordei num barco engalanado de flores, seguido de outras embarcações, nas quais muitos irmãos entoavam hinos que me eram estranhos. Hinos em que o amor por Iemanjá era a tônica de todas as palavras. Os amigos que me seguiam falavam de libertação e vitória. Muito pouco a pouco me conscientizei e passei da euforia ao pranto da saudade, porque a memória despertava para a vida na retaguarda e o nosso Paulo se fazia o centro das minhas recordações. Queria-o ali naquela abordagem maravilhosa, pois os barcos se abeiravam de certa praia encantadoramente enfeitada de verde nas plantas bravas que as guarneciam. Quando o barco que me conduzia ancorou suavemente, uma entidade de grande porte se dirigiu a mim com paternal bondade e me convidou a pisar na terra firme. Ali estavam o meu pai Manuel, e nossa Mãezinha Amélia. Era muita saudade acumulada no coração. Ali passei ao convívio de meus pais e os meus guardiões retornavam ao mar alto. Retomei a nossa vida natural e, em companhia de meu pai, pude rever você e os irmãos todos me comovendo ao abraçar a nossa Waldemira, que me pareceu um anjo preso ao corpo. Querida irmã, não disponho das palavras exatas que me correspondam às emoções. Peço a você reconfortar o nosso Paulo e dizer-lhe que não perdi o sonho de meu filhinho que nascesse na Terra de nossa união e de nosso amor. O futuro é luz de Deus. Quem sabe, virá para nós uma vida renovada e diferente para as mais lindas realizações? Você diga ao meu poeta e letrista querido que estou contente por vê-lo fortalecido e resistente, exceção feita dos “copinhos” que ele conhece e que estou vendo agora um tanto aumentados… Desejo que ele saiba que o meu amor pelo esposo e noivo permanente que ele continua sendo para mim, está brilhando em meu coração, que continua cantando fora do outro coração que me prendia. A cigarra, por vezes, canta com tanta persistência em louvor a Deus e a Natureza, que se perde das cordas que coordenam a cantiga, caindo ao chão, desencantada. O meu coração da vida física não suportou a extensão das melodias que me faziam viver e uma simples renovação para tratamento justo me fez repousar nas maravilhas diferentes a que fui conduzida. Espero que o nosso Paulo consiga ouvir-me nestas letras. Agradeço a ele as atitudes dignas com que me acompanhou até o fim do corpo, tanto que agradeço a você e as nossas irmãs e irmãos o respeito com que me honraram a memória, abstendo-se de reclamações indébitas junto aos médicos humanitários que se dispuseram a servir-nos. Querida irmã, continue com o nosso grupo em Caetanópolis. O irmão José Viana e o Dr. Borges estão conquistando valiosas experiências. Muitas saudades e lembranças a todos os nossos e para você um beijo fraternal com as muitas saudades de sua, Clara.
Comments