Emocionante Carta Psicografada da Escritora Clarice Lispector
Das coisas que eu vi, e lentamente, fui descobrindo o mundo das causas, de onde tudo se inicia para surgir no mundo concreto das formas transitórias. Levantei os olhos e deparei-me com a inusitada realidade, plena, insofismável, atordoante, embora calma e serena, mas provocando um turbilhão de ideias novas, de perguntas sem respostas completas, pois tudo depende de meu próprio esforço em penetrar essa dimensão real e alargar as minhas fronteiras mentais. Eu, sou ainda o coração selvagem, um pouco domesticado pela dor, pelo imprevisto, pela sensação diferente de ser mais viva agora do que quando pensava que era muita coisa. Mas trago a mesma paixão indormida, que instiga sempre a busca, não permitindo paradas, vencidas as estações supostamente finais de qualquer lugar ou tempo. Não devo viver completamente, com eterna ânsia, este aprendizado que não cessa.
Não estranhem que eu lhes dirija a palavra, sabemos que aqui não se consideram certas formalidades, pois tudo o que ocorre têm antecedentes ou necessidades imediatas.
Comunicação é algo difícil entre nós e vocês - os que transitam no corpo físico -, embora seja tão citada, o meio adequado é sempre alguém que não se coaduna com o nosso pensar e o nosso fazer, os ditos médiuns. Conseguir um que tenha certa flexibilidade, a quem se possa dizer algumas coisas e ser entendida, no essencial, pelo menos, é a grande questão. Vocês dois, Guto e Suely, me parecem especialmente simpáticos e sintonizados. Pensem em mim, de vez em quando, para que nos aproximemos um pouco mais, talvez, eu possa escrever coisas novas. Compreendam: novas para meu habitual ofício, mas antigas, do tempo do mundo, e novas para os que foram os meus leitores de hoje.
Novas são as impressões que me preenchem a vida espiritual.
Novos são o entendimento e o aprendizado a que me dedico. Novos são os parâmetros que me norteiam os passos. E anseio dizer aos quatro ventos, mesmo que muitos não creiam. Vale a pena tentar. É o "continuum" da vida, sempre estuante e plena, libertadora, eis que me livrei do jugo dos preconceitos intelectuais e me coloco como os primeiros escribas, com os papiros e estiletes à mão, para grafar as verdades que agora fazem parte de mim, como se jamais alguém disso soubesse ou revelasse, como se não houvesse ninguém mais no mundo. Clarice Lispector.
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