Emocionante Carta Psicografada de uma Vítima da Boate Kiss
Querida mãezinha Silva Regina, Silvinha, meu anjo e meu pai Carlos, sou eu mesmo, o Leo, que tanto quanto antes na terra mesmo, procuro manter o sorriso lindo que tanto lhes encantava e me esforço igualmente para conservar o astral em alta e a serenidade de coração, apesar de que não desconheço, que neste momento tocarei em detalhes que tanto nos fizeram sofrer, quanto no início de um ano tido de próspero para nós, nos deparamos com a chamada tragédia, conhecida por tragédia de Santa Maria, quando na Boate Kiss, eu e mais de duas centenas de jovens perderam a vida do corpo físico, quando em verdade todos nós ali estávamos reunidos, pensando no futuro profissional pela frente, que esperávamos que seria coroado de êxitos.
Vejo que no rosto de vocês, meus pais, encontro os sinais que o sofrimento produziu, mas acredito que serão capazes de voltarem a estampar o brilho da esperança nos olhos, iluminando a face de vocês. Acreditemos meus pais, na continuidade da vida, saibamos que não faz qualquer sentido, haver vivido e desaparecido da vida de vocês, de maneira tão repentina quanto ocorreu.
Lembranças ao meu irmão Luquinhas.
Sabe mãe, hoje tenho conhecimento que não só o seu coração, como o de muitas mãezinhas, naquele dia, chegaram a pressentir de alguma maneira as proporções que a tragédia teria. Digo que eu mesmo, cheguei a desconhecer os motivos, o porquê, de certa tristeza haver me atormentado tanto o coração, nos dias que precederam o meu retorno, o que aliás me fez sentir-me na condição de alguém que foi despejado da própria casa, sem qualquer chance, de pelo menos poder se despedir dos que amou e continua amando.
Sofri muito, chorei com vocês meus pais, e muitas vezes, afirmo que nossas lágrimas chegaram a se misturar.
Hoje quem me ajuda a redigir esta carta são meus bisavós Antônio e Francisco, e a senhora Anita, dedicada benfeitora e defensora dos carentes em nossa região.
Mãe e pai, estamos todos vivos, e isto é o que basta. Eu sei que até parece que minha atitude de agora, passa suscitar um possível ato de covardia, mas não é verdade, mãe, estamos precisando mudar os ares de Santa Maria, carecemos de modificar as vibrações de nossa cidade, procurando orar mais uns pelos outros, inclusive pelos infelizes irmãos proprietários da boate, que também têm suas famílias, que não desconheço têm sofrido ameaças e agressões de todos os tipos de criaturas de ânimos mais destemperados.
Que todos os nossos companheiros que aqui estão e que estão inseridos no acontecimento de Santa Maria, que passam passar a pensar como eu. Foi um acidente, uma fatalidade mesmo, e agora, a esta altura dos acontecimentos, falatórios não resolvem. Acredito mesmo, que a mídia já explorou o assunto o quanto pôde. Agora é hora de nos unirmos em preces, e se pudermos, todos quantos tenham movido processos, que reconsideremos as nossas queixas, lembrando que estes irmãos, também estão com os corações partidos, tanto quanto nós mesmos.
Mãezinha, pai, eu estou melhorando a cada dia, e espero que de agora para frente, vocês possam reunir todas as forças de que dispõem e dar novo ruma à vida de vocês, sabendo, ou melhor, tendo a certeza de que o filho de vocês está mais vivo do que nunca. Estamos todos saudosos deste outro lado da vida.
Sabe meus pais, vontade de ser egoísta e não passar a caneta para mais ninguém não me falta, mas tenho que me enquadrar à rígida disciplina da casa, e render-me.
Beijos e valeu a pena mesmo, e acredito mesmo, que vocês estão apenas encontrando-me na forma de carta que lhes escrevo, conforme já esperávamos. Sei que me sentiram a presença, e saibam que estive o tempo todo com vocês, inclusive no interior do ônibus. Estou com saudades e saibam que jamais o esqueço, e que sem a presença de vocês, meus dias são tristes, mas hoje, exercitando a fé que sempre me ensinaram, já estão melhores, e já vejo eles serem imantados pela luz da eterna esperança.
Paizão Carlão, meu beijo e meu presente, representado nesta carta que entrego, pensando no seu dia já próximo.
Do filho cheio de saudades que tanto lhes ama.
Léo.
Leonardo Shopf Vendruscolo
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