Meus queridos amigos que ainda caminham por essa terra, permitam me comunicar com vocês pela primeira vez desde que parti deste plano.
O motivo desta mensagem é um alerta a todos para que compreendam que Deus é justo e que muitos falam em nome Dele, cometendo injustiças que não deveriam acontecer. Meu desencarne foi algo completamente maluco. Senti quando me desliguei completamente do corpo e percebi que não havia mais jeito, que já era tarde demais. Foi então que me percebi em um outro plano, ainda no mesmo quarto de hospital onde estava internado, mas agora em um estado completamente diferente. Havia um senhor negro me esperando, com um sorriso no rosto e uma luz intensa que emanava um calor tão gostoso que me senti acolhido. Ele me chamou de filho, mesmo sem ser meu pai, e disse que se chamava Pai João. Quando lhe perguntei quem ele era, ele respondeu que era pai de todos aqueles que vieram depois dele. Fiquei sem entender nada daquilo, mas senti uma imensa paz dentro de mim. Pai João começou a me explicar sobre a vida após a morte, sobre os diferentes planos de existência e como tudo funciona nesse novo mundo. Fiquei fascinado com suas palavras e com o amor que ele irradiava. Eu sentia que estava em um lugar diferente, em um mundo novo, mas ao mesmo tempo me sentia em casa. Enquanto conversávamos, percebi que havia muitas pessoas ao nosso redor. Eram almas que haviam acabado de desencarnar, assim como eu. Algumas pareciam perdidas e confusas, outras já sabiam para onde ir.
Pai João nos acolhia a todos com amor e uma sabedoria que jamais havia presenciado antes. Tudo aquilo era muito espantoso para mim. Como um espírito poderia acolher tantos outros espíritos? Pai João parecia realmente um pai amoroso, acolhendo todos debaixo de suas asas. Muitos aqui confundem o Mussum dos Trapalhões com o Antônio Carlos. O personagem que eu representava na minha vida particular. Sempre fui uma pessoa séria, que não deixava ninguém me desrespeitar. Nunca gostei de ser chamado de negão. Sempre me dei muito valor. Mas nesta terra aí sofri muito com o racismo, tanto na Aeronáutica quanto no colégio interno, onde fiquei por quase nove anos. Era tanta pressão, tanta falta de respeito comigo. Mas na fase adulta encontrei meu lugar no samba, onde me sentia em casa. Eu cometi muitos erros e já paguei por eles. Mas podem ter certeza de que se eu não os pagasse, aí pagaria aqui. Principalmente por ter sido um mulherengo incorrigível. O problema não é estar com mulheres, mas sim enganar quem te ama. E eu, como bom malandro, sei muito bem como isso é. Com um misto de espanto e curiosidade, segui Pai João e um grupo de almas em direção a uma luz brilhante. Algumas almas pareciam tristes, outras já haviam aceitado a situação, enquanto outras sorriam e pareciam animadas para seguir em frente. Quando atravessamos a luz, eu me encontrei em um lugar lindo e cheio de pessoas negras como eu.
Eu sabia que a essência divina não tem cor, mas nós somos a representação da nossa própria ancestralidade. Eu fiquei muito curioso sobre tudo e perguntei a Pai João onde estávamos. Ele me respondeu que estávamos na nossa terra, em Aruanda. Eu tinha ouvido falar desse lugar em alguns terreiros de Umbanda que frequentei, mas nunca imaginei que ele fosse real. Pai João explicou que a maioria das pessoas com ancestralidade africana acaba chegando lá. Por que viveríamos juntos de acordo com as nossas tradições? Eu achei tudo isso muito bonito e fiquei emocionado por finalmente me encontrar em um lugar onde eu me sentia em casa. Enquanto caminhávamos pelo local, o pai João me contava sobre os antepassados que foram escravizados e mortos do Brasil, dizendo que muitos deles estavam ali, ou pelo menos suas almas estavam para uma nova encarnação. Mas isso não era tudo, pois também havia missões a serem cumpridas naquele lugar. Eu fiz algumas perguntas sobre o céu e o inferno, mas ele me disse que cada tradição segue suas próprias crenças sobre a vida após a morte e aquela era dele. Eu fiquei ainda mais confuso, pois Pai João me levou a uma aldeia repleta de pessoas, onde um homem estava no centro de uma roda, falando sem parar e dando explicações sobre tudo. Ele pediu que eu ficasse, ouvisse o que o homem tinha a dizer. Quando sentei ao lado do falador, ele me perguntou o meu nome e eu respondi.
Ele se apresentou como Zé e eu pensei Poxa, nem para ter um nome mais impressionante. Todos naquela roda eram pessoas que acabaram de chegar e Zé estava explicando tudo. No final eu o achei bem bacana e simpático. Zé me disse que eu seria seu aprendiz, pois eu tinha simpatia e sabia falar bem. Eu contei a ele que essa mesma simpatia já me meteu em alguns lugares errados, mas ele disse que sabia o porque de sempre estar comigo. A cada momento tudo ficava mais estranho e misterioso. Cheguei àquele lugar e já fui informado de que seria um aprendiz. Teria que começar a trabalhar imediatamente. Eu pensava que quando morríamos ficávamos sem fazer nada. Mas estava enganado. Minha fase na Terra trabalhando com os Trapalhões foi ótima. Éramos quase uma família. O Renato sempre foi uma pessoa difícil de lidar. Nunca gostava de ser chamado de Didi fora das câmeras, mas era ótimo. O que me ajudou neste plano foi o bem que fizemos às pessoas, a alegria que levamos. Mesmo que tenhamos cometido alguns erros ao longo do caminho. Deus não condena ninguém ao fogo eterno. Deus nos ama e nos quer bem. Até mesmo as pessoas ruins que tem que resolver seus problemas antes de tudo. Conversando com o Zé, ele me disse que do outro lado das paredes de Aruanda havia um lugar para onde iam as pessoas que eram racistas na terra.
Todos aqueles que tiveram escravos, que maltrataram seus escravos e que ali estavam provando exatamente do mesmo sofrimento que fizeram os negros passarem até que se arrependessem. E quem faria o resgate dessas pessoas? Nós mesmos. Fiquei extremamente surpreso ao saber que os racistas iam para um inferno particular, mesmo sabendo que aquilo não era um inferno, mas era o nome que eu tinha para dar àquele lugar. O pensamento de que os racistas estavam sendo punidos por seus atos me deixou até que feliz. Eu não podia acreditar que havia um lugar tão terrível para onde as pessoas iam quando morriam. Um lugar onde eles pagariam pelo que fizeram em vida. Isso me fez pensar em tudo o que eu havia feito, em todas as vezes que poderia ter sido melhor, em todas as vezes em que falhei em fazer o que era certo. Será que eu também teria que pagar por tudo isso? Aquele pensamento me assombrou por muito tempo. Hoje em dia carrega o peso e a responsabilidade de acolher as almas que chegam até aqui. O Zé é habilidoso nesse trabalho, mas eu também não fico atrás. As pessoas chegam aqui com tristeza estampada em seus rostos por causa das suas desventuras, mas eu faço questão de colocar um sorriso em suas faces. É através da felicidade que consigo ajudá-las a compreender que tudo tem seu tempo, que talvez elas voltem, que reencarne, mas para isso precisam aprender muitas coisas e evoluir espiritualmente.
Tudo o que aprendi até hoje estou transmitindo a todos que aqui chegam. Quem coordena tudo isso aqui é Pai João. Ele faz questão de ir buscar cada alma que chega em Aruanda e quando vejo chegando é sempre do mesmo jeito, com aquela fala calorosa, um sorriso farto no rosto, mostrando o lugar para todos. Ele é um ser muito iluminado e bondoso e me sinto honrado em estar aqui junto a espíritos tão evoluídos e nobres como ele e tantos outros que encontrei por aqui. Mas ao mesmo tempo em que me sinto grato por essa oportunidade de ajudar as almas que chegam. Sinto um peso em meu coração, afinal, é difícil ver tantas pessoas sofrendo, buscando respostas e consolo. É difícil perceber que muitas delas chegam aqui com dores profundas, trazidas pela discriminação e pelo preconceito que sofrem em suas vidas. Por isso, encerro essas palavras com um apelo reflitam sobre suas vidas e sobre como tratam as pessoas negras. O racismo é uma ferida aberta em nossa sociedade, uma chaga que precisa ser curada. Espero ter ajudado a despertar essa reflexão em vocês. Agradeço pelo carinho e pela atenção. Que Deus seja louvado hoje, amanhã e sempre.
Antônio Carlos Bernardes Gomes.
Psicografia do Médium Dioney Pereira em um centro espírita em Salvador, Bahia.
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